Jazz na Bahia?

Sim, há jazz baiano. De acordo com a resenha do músico e produtor Paquito (fale com ele aqui: anjo.paquito@terra.com.br , o jazz na Bahia existe, é de boa qualidade e atrai grande público. Veja: Há quatro semanas acontece um fenômeno em Salvador: nos finais das tardes de sábado, cerca de 2.000 pessoas têm corrido à Avenida Contorno, de onde se têm uma bela vista da Baía de Todos os Santos, para curtir a Jam Session do MAM (Museu de Arte Moderna), que fica no casarão conhecido como Solar do Unhão. A Jam session, ou simplesmente a Jam do Ivan, é um projeto produzido há anos com idealismo ímpar pelo músico e agitador cultural Ivan Huol, 44 anos na certidão, menos de 30 na aparência, e uma criança grande e fagueira, pra quem tem a oportunidade de privar do seu convívio. Em se tratando de jazz e bossa-nova, que é o tipo de som que comumente rola no evento, é mesmo um fenômeno, numa terra que ficou conhecida, nos últimos 30 anos, como a cidade da música ligada ao carnaval. A ligação de Salvador com o carnaval é legítima, não resta dúvida, mas a cidade já não corresponde a essa imagem totalizante durante o resto do ano. Segmentos da população, já há um bom tempo, em eventos considerados underground, consomem, em seus nichos, samba, rock e outros tipos de som numa escala modesta, porém persistente. O que assombra num evento como a Jam é mesmo o número do público que passou a freqüentar o museu apenas para assistir à exibição de músicos ligados estilisticamente ao jazz, improvisando sobre standards em uma área aberta em frente ao mar. Esta história, porém, teve início em 1993, quando Ivan Huol (não à toa, nome foneticamente aparentado de Ivanhoé, o herói criado por Walter Scott), já seguindo uma tradição de música instrumental da cidade da Bahia, resolveu apresentar, gratuita e despretensiosamente, sessões de jazz no pátio do Instituto Goethe, onde cabem cerca de 300 pessoas, durante as tardes de sábado. Ele levava o equipamento de som numa van, e arregimentava os músicos, sendo aceita a participação de outros que estivessem no local, pois este é, realmente, o espírito de uma jam session. O evento foi crescendo e o pátio do Goethe tornou-se insuficiente para abrigar uma platéia que já aumentava. Em 1993, a jam foi, então, convidada pela direção do MAM para ter lugar no espaço em que acontece hoje. Em 2001, no entanto, um jornal de província de quinta categoria, chamado não à toa de Província da Bahia, publicou uma matéria em que se apelidava malevolamente o espaço em que acontecia a Jam de "maconhódromo", o que serviu de pretexto para a direção do MAM suspender o evento. Ivan e seus pares não desistiram e passaram a se apresentar em bairros distantes de maneira mais fortuita, num trabalho de formiguinha, até que, com a mudança do governo do estado, neste ano de 2007, foram convidados novamente pra se apresentar no museu, desta vez cobrando a quantia simbólica de dois reais pelo ingresso. Já no primeiro sábado, foi atraído um público estimado em 822 pagantes, para chegar a 2.000 nas semanas seguintes, e não mais decrescer. Importa destacar que o trabalho realizado por Ivan Huol e Ivan Bastos (uma espécie de spalla do evento), contribui para o surgimento de instrumentistas baianos, que, frequentadores assíduos da Jam, se tornaram profissionais, como os percussionistas Gustavo de Dalva e Leonardo, que já integraram as bandas de Caetano, Gil e Daniela Mercury. Outros veteranos como Letieres Leite (diretor musical da banda de Ivete Sangalo), Mou Brasil e Paulinho Andrade também são habitués da Jam do Ivan. Mas Ivan Huol é, também, um baterista e percussionista talentoso e dedicado, que já tocou com nomes como Gerônimo, Toninho Horta, Daniela Mercury e Riachão, e integra o Garagem, verdadeira instituição da música instrumental da Bahia, junto ao já citado Ivan Bastos e ao saxofonista Rowney Scott. Durante o carnaval, Ivan transforma a van (sem trocadilho) no Microtrio, e sai com uma banda pra tocar frevos, afoxés e afins, sem cordas, contrapondo-se com simplicidade ao desabalado gigantismo que acomete a folia baiana. Ivan Huol faz o que faz porque gosta, e basta papear com ele pra se deixar encantar pelo sorriso largo e olhos vivos por trás das lentes dos óculos sempre grandes, como grande é seu coração generoso e suas mãos, hábeis no trato com as baquetas e os eletrodomésticos de casa, que ele conserta e reiventa, fazendo às vezes de Professor Pardal. Além disso, é um imitador dos amigos e de figuras da música, da tv e do mundo, não tão preciso quanto freqüente. Mas este Ivan íntimo fica para os poucos que freqüentam o peixe de sua adorada Cacilda, em encontros de sexta-feira, tão profícuos que já renderam até casamento entre dois dos eventuais convivas.

Museu