Chile: jazz e poesia

Em 1973, eu estava no Chile para cobrir o golpe militar, quando Pablo Neruda faleceu. Na busca por acompanhar de perto a notícia, o que encontrei foi um melancólico bairro Bellavista. Fui o único fotógrafo a entrar na casa do poeta, que fora saqueada pelos militares e estava destruída; o povo, soterrado por uma democracia que acabara de desmoronar, chorava pelas ruas a perda do Nobel de Literatura. Tudo parecia cinza e triste. Desde então, cada vez que volto àquele país me emociono. Este ano, tornei a visitar a famosa La Chascona (Marquez de La Plata, 0192), e posso dizer que sou testemunha de o quanto ela e o Bellavista mudaram. A casa, totalmente restaurada, virou uma fundação dedicada ao autor e hoje tem fila na porta – de turistas e santiaguinos devotos à obra do autor de Confesso que vivi. Foi ali, na construção de três níveis erguida no sopé do Cerro San Cristóbal (o mais alto da cidade), que Ricardo Eliezer Neftalí Reyes Basoalto – verdadeiro nome de Neruda – morou com seu grande amor, Matilde Urrutia. Daqueles tempos, restam a saudade e inúmeros objetos que pertenceram ao poeta, como livros, quadros, obras de arte e suvenires que ele reuniu em suas viagens. Passear de novo por aqueles corredores e escadas a céu aberto que ligam um nível a outro foi uma viagem no tempo. Se a comoção é inevitável para todos, em mim é especialmente maior e mais contundente, uma volta no tempo. Da casa, dá para ver todo o animado bairro de Bellavista. As lembranças seguiram como minhas companheiras na caminhada pelas coloridas ruas, numa manhã fria do inverno chileno. Os casarões e o calçamento de paralelepípedo remontam cenários europeus. Salpicado de bares e cafés, o lugar virou reduto da boemia local, abrigando desde bares cubanos até clubes de jazz, além de pubs, restaurantes e teatros. O ponto de encontro é a Rua Pio 9, onde se concentra a maior parte dos barzinhos. Nos fins de semana, visitantes, músicos e artesãos tomam conta das calçadas, numa animada profusão de cores e sons. Bellavista está aos pés de de San Cristóbal, monte de 880 metros de altura. Seu cume pode ser alcançado de bondinho, teleférico ou a pé, e oferece uma panorâmica da cidade que é imperdível. É lá que está a enorme Estátua da Virgem, que atrai peregrinos de diversas partes do mundo. A vista que se descortina lá embaixo não poderia ser mais heterogênea. Em Santiago, o velho e o novo pulsam juntos, numa espécie de macrocosmo da casa de Neruda. Fundada em 1541, a capital do Chile localiza-se no Vale Central, aos pés da Cordilheira dos Andes. Os picos cobertos de neve no inverno acrescentam um charme especial à cidade, cujo povo conhece o valor dos monumentos históricos, muitos reconstruídos após a destruição levada a cabo pelos terremotos. Parques se revezam com construções do século 17, herança dos colonizadores espanhóis, além dos imigrantes franceses e italianos. No coração da cidade, fica a Praça das Armas, ícone maior do lugar, que abriga a Catedral de Santiago, erguida há quatro séculos e construída e reconstruída cinco vezes - uma a cada terremoto ocorrido. Também enraizado na história chilena está o Palácio de La Moneda, sede do governo. Em 1973, o monumento foi palco da queda do presidente Salvador Allende, que resistiu a uma tentativa de golpe militar. Atacado por bombas e aviões, o prédio foi reformado ainda na década de 70. A memória segue como estrela principal no sem-número de museus. Um dos mais importantes é o Museu de Santiago, que conta a história da cidade através de mapas, pinturas e vestimentas; o Museu Histórico Nacional, localizado nas dependências do Palácio de La Real Audiência, que disseca o Chile desde a época colombiana até o século 20; e o Museu Chileno de Arte Pré-Colombina, com mais de 2 mil peças, entre máscaras, estátuas, vasos etc. que pertenceram a civilizações como valdívia, capuli, chorrera e olmeca, habitantes da região antes de os europeus chegarem. Imperdível, também, é o gabaritado Museu Nacional de Bellas Artes, com mais de 5 mil obras. Ali se encontra a mais completa mostra da pintura chilena, desde a colônia até a atualidade. Todo esse clima mnemônico, porém, contrasta com o acento cosmopolita de costumes, a modernidade de gigantescos e luxuosos shopping centers e o agito noturno da avenida Suécia, no bairro da Providência. O perfil do lugar é diferente do Bellavista. A romântica boemia cede espaço à badalação de boates e bares descolados, que abrem às 20h e não têm hora para fechar. (Fonte: Evandro Teixeira para o Jornal do Brasil). Outras dicas: Turismo AQUI e Curso de Jazz AQUI.

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