“Meu pai me falava sobre jazz. Na realidade, eu preferia principalmente música pop soviética, mas ele era baterista amador e cantor, que frequentemente tocava em casamentos e restaurantes”, explica Igor Butman. “Meu pai foi, realmente, a pessoa que me introduziu no jazz e na própria música”. A história do jazz na Rússia remonta à década de 20. Segundo Butman, a evolução ocorreu ao longo de vários períodos imprecisos, em que também se fazia confusão com a música clássica. O estrito controle do regime soviético da liberdade artística oferecia tanto oportunidades como desafios. “Assim que comecei a tocar”, conta Butman, “consegui me apresentar em clubes de jazz em São Petersburgo. Viajava para lugares como Moscou, Letônia, Lituânia e Ucrânia, mas não tinha permissão para ir ao exterior, pois achavam que eu poderia fugir”. “Nos tempos soviéticos, a agência estatal de contratação das apresentações oferecia concertos sem se importar se haveria sucesso de bilheteria ou apenas duas pessoas na plateia. Mesmo assim, eram realizados 14 concertos por mês”. Apesar de assegurar fluxo de trabalho, este sistema fechado impunha constrangimentos à criatividade. “Criei minha banda, mas não conseguia trabalho porque não era registrado na agência estatal de contratação das apresentações. Não era fácil adquirir status profissional. Por isso, fui para os Estados Unidos em busca de um caminho normal”. Em 1987, Butman chegou a Boston para estudar no famoso Berklee College of Music. “Eu era o melhor da União Soviética, mas sabia das minhas limitações”, conta o saxofonista. “Tinha que estudar, tocar e concorrer com os melhores do mundo. Depois da formatura, me mudei para Nova York, onde permaneci por alguns anos, antes de voltar defi nitivamente para a Rússia, em 1997”. Depois do retorno a Moscou, a carreira de Butman decolou. Ele começou a se firmar como uma referência do jazz russo, gravando vários CD - que incluem o mais recente, "Magic Land", que apresenta melodias dos desenhos animados soviéticos e de um grupo de elite de músicos americanos. Atualmente, o cenário jazzístico russo está a uma longa distância de sua situação na ex-URSS, quando um músico poderia ser jogado na prisão por realizar concertos sem autorização. Butman é rápido em reconhecer que “tudo mudou”, como diz, especialmente em relação à concorrência saudável no mundo musical. “De certo modo, para nós, é uma vida mais difícil. Hoje, há uma grande concorrência entre os grupos, o que me agrada. É preciso melhorar, oferecer algo interessante e singular, e ainda pensar sobre o que se pode oferecer a casas de espetáculos ou a salas de concertos. “Agora há muito mais bons músicos jovens. As coisas estão ocorrendo em todas as partes da Rússia, e cada cidade conta com o seu próprio cenário musical. Já não é apenas Moscou, mas Novosibirsk, São Petersburgo, Vladivostok, Rostovna- Donu, Iaroslavl. Existem também muitos clubes de jazz competindo entre si, e conseguem apresentar os melhores músicos de todo o mundo”. A sensação de expectativa quando um grande evento agita a cidade é emocionante para Butman, que vem organizando o seu próprio festival de jazz já há nove anos. “Este festival chama-se Triumph of Jazz. Estou tentando descobrir novos nomes e dar-lhes oportunidade de tocar aqui, bem como procuro trazer velhas estrelas que fizeram a revolução no jazz”. “Acho que há grande mercado para isso na Rússia. As pessoas estão interessadas em jazz, e têm ouvido falar de mim; elas podem confiar no que vou tocar, ou nas pessoas que vou trazer, mesmo que não saibam quem são elas. Há grande sensação de curiosidade porque não é todos os dias que temos algo tão especial. Muitas pessoas diferentes vêm aos concertos”. O status de Butman como espécie de celebridade do jazz da Rússia foi construído a partir de vários ângulos, e não apenas com a sua poderosa e nítida voz no sax tenor. Além de administrar um clube e o festival Triumph, também atuava como anfitrião da Jazzophrenia na televisão nacional. Mais recentemente, ele participou de uma ambiciosa turnê de oito concertos nos Estados Unidos, com o Crossover Concerto, colaboração que apresentava o maestro clássico Iuri Bshmet e o compositor Igor Raykhelson. "Temos além da minha grande banda, uma orquestra de câmera, com o nome de Solistas de Moscou, dirigida por Iuri Bashmet. É uma combinação de diferentes músicas: eles tocam peças clássicas com pequena influência do jazz, enquanto tocamos alguma peça clássica com nossa forma de execução de jazz. Soa tão bem que, para nós, é algo inacreditável - conta. A atual vitalidade do jazz russo recebe o apoio necessário para que Butman não veja motivos para voltar para os Estados Unidos. "Não preciso morar lá. Gosto da América, mas também gosto de morar na Rússia." E o constante esgotamento dos ingressos para as apresentações sugere que esse sentimento é mútuo. (Fonte: Frederick Bernas, para o Jornal do Brasil).