Dez anos de um sucesso que praticamente chega a lembrar os bons momentos do Quinteto do Hot Club da França, com Django Reinhardt e Stéphane Grapelli, único grupo de jazz francês que alcançou uma notoriedade internacional ao criar um estilo imediatamente reconhecido. Isso foi nos anos 30. Hoje é diferente, nesta aurora do século XXI. Na França também, o jazz foi uma música popular, mas a sua volta à preferência de um público mais amplo do que o dos conhecedores data dos anos 90. Os anos 70 foram um buraco negro para os músicos de jazz franceses. Os jazzmen americanos famosos ainda faziam de vez em quando grandes apresentações ocasionais em grandes salas, mas os clubes iam fechando uns após os outros, e os músicos franceses ou tocavam free-jazz1, ou não tocavam mais a sua música. Foram os anos em que René Urtreger, um dos maiores pianistas franceses de be-bop2, acompanhava o célebre cantor Claude François, e o saxofonista e compositor François Jeanneau, hoje à frente da turma de jazz criada no Conservatório Nacional de Paris, e ganhava a vida acompanhando a cantora Sylvie Vartan. Um dos poucos músicos que a onda "free" não havia varrido dos palcos era Martial Solal. Seu trio com Daniel Humair, baterista que jamais concordou em tocar música de variedade e que também se dedicou à pintura, ainda fazia suas turnês, mas em velocidade reduzida. Podemos culpar o "free"? Por sua própria natureza, este não era tocado para o público, nem aliás contra, ele era tocado numa busca do evento musical puro: os músicos colocavam-se à frente para se surpreender, ou para surpreender a música neles mesmos. Eles aprenderam assim a se libertar da ascendência estilística americana.
O público de jazz acompanhou, durante um certo tempo, apenas os mais apaixonados entre eles e em primeiro lugar os americanos, que encontravam em Paris, na onda do movimento de maio de 68, ouvintes prontos para qualquer experiência. Os franceses também não faltaram: aqueles anos presenciaram o sucesso de Michel Portal. Quando a onda arrefeceu, ele voltou ao clássico e ao contemporâneo, sem abandonar a improvisação, mas os espetáculos tornaram-se muito mais raros. Outros, como Aldo Romano, voltaram-se para uma experimentação que misturava o free ao rock: o grupo Total Issue respondia bem a esse radicalismo. Ele teve um sucesso precário, que durou dois anos. A Companhia Lubat, dirigida por um multi-instrumentista com espírito de guru anarquista e provocador, Bernard Lubat, serviu de asilo aos músicos que viviam um dos mais mortais esquecimentos possíveis. Simbolicamente, a data da renovação do interesse – ou da volta do amor – pelo jazz na França, 1987, é a de Barney et la Note Bleue, álbum de história em quadrinhos de Loustal e Paringaux, que contava a história de um saxofonista esquecido. O álbum conquistou totalmente o público, acompanhado de um disco de Barney Wilen que levava o mesmo título, a ponto do Le Monde apresentá-lo em sua primeira página. E a volta de Barney Wilen ocorreu "pra valer", no palco, levando junto o renascimento do jazz bop, que o jovem prodígio Wynton Marsalis havia lançado do outro lado do Atlântico. Pouco antes, o filme de Bertrand Tavernier, Autour de Minuit (Por volta de meia-noite), havia também mergulhado no azul da nostalgia, que deveria predominar por cerca de uma década. Mas a nostalgia tinha uma face mais luminosa e um símbolo mais vivificante: Michel Petrucciani. Estabelecido nos Estados Unidos, ele fez sucesso com Jim Hall e Wayne Shorter em 1986 no Festival de Montreux (Suíça). Sua música realizava um feliz compromisso entre o jazz dos anos 60 e o jazz-rock dos anos 70. E, principalmente, dava um novo vigor ao jazz francês, transmitindo um intenso prazer pela vida. Henri Texier formou grupos que tocavam exclusivamente a sua música, onde a herança celta era vertida em lancinantes melopéias. Daniel Humair, Jean-François Jean-Clark e Joachim Kühn formavam um trio de improvisação, responsável talvez pela imagem mais feliz e convincente do jazz europeu, totalmente liberado do modelo americano e no entanto radicalmente fiel às origens por seu swing, sua impetuosidade e sua maneira de tocar, avançando no presente e abrindo o futuro, ao invés de se contemplar no retrovisor. Uma participação desse trio, juntamente com Michel Portal, Martial Solal e Marc Ducret, no festival de Nova York em 1988, perdida no tempo, iria mostrar que a salvação do jazz francês não estava mais na América, mas na Europa, onde o público estava pronto a retomar o seu amor pelo jazz de pesquisa tanto quanto de intensidade lírica. Esse amor "cristalizou-se" milagrosamente entre esse novo público e o trio Sclavis/Texier/Romano, formado durante uma turnê pelo oeste africano. Seu álbum de 1995, Carnet de Routes, representou um dos maiores sucessos de venda que um disco de jazz já obteve na França. Esses pioneiros abriram o caminho a uma nova geração de músicos, tão bem formados tecnicamente quanto os músicos clássicos, e abertos a toda forma de improvisação.
A Orquestra Nacional de Jazz, fundada em 1986, viu-os sucederem-se tanto na direção (François Jeanneau, Antoine Hervé, Claude Barthélémy, Denis Badault, Laurent Cugny, Didier Levallet) quanto nas estantes. O espaço europeu abriu-se para eles. Um músico como o contrabaixista Renaud Garcia-Fons apresenta-se com muita freqüência tanto na Alemanha quanto na França e a sua música está integrada a todo o perímetro mediterrâneo. Hoje os estilos coexistem numa vivificante harmonia, com músicos italianos instalados na França, como Stefano Di Battista Boltro, colocando toda a sua energia no hard-bop – uma versão do bop mais violenta – e um pianista de vanguarda, Jean-Michel Pilc, indo carregar o seu dínamo interno instalando-se em Nova York. Os intercâmbios são realizados em todos os sentidos, pelo menos do ponto de vista musical, porque, economicamente, o palco do jazz permanece frágil – dos dois lados do Atlântico, aliás. Os músicos franceses aprenderam a preservar a sua independência artística. Um saxofonista bastante jovem, Christophe Monniot, recém-saído do Conservatório, é o próprio exemplo do novo jazzman: virtuose intrépido, divertido, completamente incapaz de fazer concessões. O público, assim como os músicos e os críticos, observam-no de perto. O jazz continua sendo a boa surpresa do dia e da noite, o encontro do sentido e dos sentidos, do corpo e do espírito. (Fonte: Michel Contat, articulista de jazz para a revista Télérama).